Por Redação Foz
Repetir hábitos pode parecer sinal de disciplina, mas estudos mostram que a repetição irrefletida de rotinas tem efeitos contrários quando se trata de transformação pessoal. Eles sugerem que a força do costume fortalece rotas automáticas do cérebro, favorecendo a procrastinação. Contudo, o ponto de virada não está em forçar novos comportamentos, mas em mudar a forma como a pessoa enxerga a si mesma.
Um trabalho conduzido pelos psicólogos Bas Verplanken e Jie Sui, publicado na Frontiers in Psychology, mostra que a autoimagem é peça central do processo. “Os hábitos estão intimamente ligados à identidade do indivíduo”, afirmam. Em outras palavras, quem se percebe como alguém propenso a adiar tarefas ou se sabotar tende a reforçar o padrão no cotidiano.
Repetir hábitos limita escolhas
Verplanken e Sui explicam que o automatismo cerebral funciona como um atalho. Ao escolher assistir a uma série em vez de estudar, o cérebro consolida uma rota neural que se torna cada vez mais acessível. “O hábito é uma resposta aprendida, que pode ser disparada sem intenção consciente”. O resultado é a repetição de comportamentos mesmo quando há consciência de que eles não ajudam na conquista de objetivos.
O problema não está, portanto, na ausência de metas, mas na previsibilidade do sistema neural. Estudo publicado na revista Quarterly Journal of Experimental Psychology indica que o cérebro antecipa ações com base em experiências recentes. Por exemplo, se ontem alguém passou horas nas redes sociais, hoje a tendência é repetir o comportamento, dificultando romper com padrões estabelecidos.
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Romper rotinas cria novas conexões neurais
Repetir hábitos reforça padrões mentais
Para a neurociência, a saída está em gerar pequenas quebras nos circuitos automáticos. O chamado “erro de previsão” ocorre quando o cérebro encontra uma ação inesperada em relação ao histórico anterior. Acordar alguns minutos mais cedo, trocar o celular por um livro ou mudar de ambiente de estudo são exemplos de desvios que interrompem a rotina habitual e criam espaço para novas conexões neurais.
Tais alterações, embora simples, só se consolidam quando associadas a uma mudança de percepção sobre a própria identidade. Verplanken e Sui destacam que a força do hábito aumenta quando os comportamentos estão alinhados à forma como a pessoa se define. Assim, enquanto a autoimagem permanecer vinculada à procrastinação, as tentativas de disciplina tendem a falhar, a despeito das estratégias adotadas.
O desafio de romper a inércia
O desafio, portanto, não é apenas abandonar velhos hábitos, mas reconstruir a identidade ligada a eles. Os estudos mostram que se imaginar executando novas rotinas ativa áreas cerebrais semelhantes às envolvidas na ação real. A visualização mental funciona como um ensaio, capaz de preparar o terreno para que mudanças deixem de ser estranhas e passem a ser familiares ao cérebro.
“Quando a percepção muda, também se altera o filtro de atenção. O chamado sistema reticular ativador decide quais estímulos ganham destaque na mente”, dizem Verplanken e Sui. Ao reforçar pensamentos de incapacidade, ele confirma a identidade negativa. Mas ao cultivar imagens de progresso, aumenta a probabilidade de identificar oportunidades e sustentar novas práticas.
A procrastinação como armadilha diária
A procrastinação, portanto, não deve ser vista como mera falta de força de vontade, mas como resultado de padrões neurais enraizados. Romper com eles exige inserir “erros de previsão” na rotina e, sobretudo, questionar a narrativa interna sobre quem se é e quem se deseja ser. A partir daí, repetir hábitos automáticos deixa de ser um obstáculo e a mudança de vida torna-se viável.
O recado das pesquisas é claro: a transformação começa menos pelo controle rígido de comportamentos e mais pela revisão da autoimagem. Ao alinhar identidade e prática, o cérebro deixa de buscar apenas o caminho mais fácil e passa a construir novas trilhas para o futuro. Assim, romper padrões exige mais do que força de vontade — exige estratégia, ambiente propício e tempo.
